O tratamento de pacientes fronteiriços: entendimento e técnica | Sônia Maria Perozzo Noll

O tratamento de pacientes fronteiriços: entendimento e técnica

Sônia Maria Perozzo Noll

O tema escolhido para este trabalho é o tratamento de pacientes fronteiriços, cujo interesse surgiu a partir de um caso clínico.O trabalho reúne conceitos teóricos de Freud, através de alguns textos que podem ajudar na compreensão do assunto, dentre eles: O Narcisismo (1914); Luto e Melancolia (1917), O Ego e o Id (1923) e Inibição, Sintoma e Angústia (1926). Foram incluídos também outros autores como Abraham, que em 1924 escreve “Notas sobre a Psicogênese da Melancolia” e também Melanie Klein – “Sobre a Teoria de Ansiedade e Culpa”, de 1948.


O nosso trabalho clínico, pela sua própria natureza, apresenta situações difíceis e impasses que nos causam dúvidas e questionamentos sobre procedimentos técnicos. Encontramos pacientes com fortes barreiras, quase inacessíveis e que dificultam o vínculo terapêutico. Estes pacientes são acometidos de vazios, de angústias e, nesse sentido, o entendimento da técnica é fundamental. Assim, os textos de Bion, H.Rosenfeld, Steiner, Joel Zac e outros citados serão de grande importância para a compreensão da patologia de pacientes fronteiriços.

Falar de pacientes regressivos implica uma compreensão de que tipo de pacientes estamos falando. O neurótico? o psicótico? o que acontece com eles?

Roland Chemama,[1] no seu “Dicionário de Psicanálise” faz uma referência ao termo estado-limite:“Caso limítrofe que se definiria, no plano nosológico e estrutural, como intermediário ou “na fronteira” entre uma estrutura neurótica e uma estrutura psicótica”. (p.63)

André Green, em seu livro “A Loucura Pessoal” fez um estudo sobre ‘Pacientes Fronteiriços”, John Steiner utiliza o termo ‘Borderline’; Rosenfeld fala em “Pacientes Fronteiriços ou Border”; Bion, (no livro de David E. Zimerman) fala na “parte psicótica da personalidade”[2]; Irma Brenman Pick, (no livro: Melanie Klein Hoje – Vol. 2), fala em “pacientes fronteiriços”. Mesmo com nomenclaturas diferentes, vamos procurar compreender que pacientes são esses.

A palavra fronteiriço não é pertinente nem ao vocabulário de psiquiatria tradicional, nem a terminologia desenvolvida pela psicanálise. Na opinião de André Green,[3] “a fronteira da insanidade não é uma linha; é, antes, um vasto território sem nenhuma nítida divisão: uma terra de ninguém entre a sanidade e a insanidade” (p.67)

André Green cita outro conceito de fronteiriço, tirado do dicionário ingles Oxford: “fronteira é uma linha de demarcação”, “uma tendência à insanidade” (p.67).

Laplanche e Pontalis, segundo André Green dão a definição de fronteiriço ao “termo com a maior freqüência usado para designar perturbações psicopatológicas que jazem na fronteira entre a neurose e a psicose, particularmente as esquizofrenias latentes que apresentam uma série aparentemente neurótica de sintomas” (p.68).

Também no texto “O conceito de Fronteiriço”, André Green fornece outras definições de Moore e Fine em 1967:“Um termo descritivo que se refere a um grupo de condições que se manifestam fenômenos tanto neuróticos como psicóticos sem se apropriarem inequivocamente de uma ou de outra categoria diagnóstica” (p.68).

André Green cita também Rycroft, 1968, sobre o conceito de fronteiriço: “Na estrutura de personalidade fronteiriça, a defesa é um tipo psicótico, embora o comportamento da pessoa não o seja” (p. 68).

Para Green, “ser um fronteiriço implica que um limite protege o self do indivíduo contra atravessar ou ser atravessado, contra ser invadido e, portanto, tornando-se um limite móvel. Isto encerra uma perda de distinção entre o espaço e o tempo” (p.69).

A especificidade do fronteiriço está na divisão, que se desenvolve em dois níveis: a divisão entre o psíquico e o não-psíquico (soma e mundo externo) e a divisão dentro da esfera psíquica (mundo interno). Esta revela que o ego é composto de núcleos diferentes e incomunicantes. Há entre esses núcleos uma falta de coesão, de unidade e coerência, além de uma impressão de grupos de relações contraditórias, tanto no princípio do prazer quanto da realidade.

O discurso do fronteiriço não é uma cadeia de palavras, representações ou afetos, mas palavras, representações e afetos contíguas no espaço e no tempo, mas não em significado. Para Green, cabe ao observador estabelecer o elo que falta, com seu próprio aparelho psíquico. Pensando, então, em pacientes fronteiriços, entre uma estrutura neurótica e psicótica, o texto de Freud sobre o Narcisismo, escrito em 1914[4] nos ajuda a entender como funciona o aparelho psíquico com esses pacientes.

O conceito de narcisismo, (para Freud), remetia a uma idéia de perversão, em lugar de tomar um objeto de amor ou de desejo fora de si mesmo, o sujeito tomaria por objeto seu próprio corpo. A partir de 1914, Freud faz do narcisismo uma forma de investimento pulsional necessário à vida subjetiva, isto é, em vez de algo patológico, torna-se um dado estrutural do sujeito. Pode representar uma etapa do desenvolvimento subjetivo como também seu resultado. Esse narcisismo constitutivo é necessário e deriva do auto-erotismo. Os instintos auto-eróticos se encontram desde o início, sendo necessário que algo seja adicionado ao auto-erotismo, uma nova ação psíquica, a fim de provocar o narcisismo. E é isso que constitui o aparelho psíquico.

No caso dos pacientes mais regressivos, após o narcisismo primário, que para Freud é constitucional, e após o sujeito investir sua libido nos objetos, diante de um grau mais elevado de tensão, um desprazer, principalmente relacionado a perdas ou separações, a libido é afastada do mundo externo e dirigida para o ego e assim dá margem a uma atitude que pode ser denominada de narcisismo patológico.

Nesses pacientes, há uma superestima do poder de seus desejos e atos mentais, a onipotência de pensamentos, uma crença na força das palavras, e uma técnica para lidar com o mundo externo ‘mágica’, que parece ser uma aplicação lógica dessas premissas grandiosas.

Na teoria de apoio de Freud, as primeiras satisfações sexuais auto-eróticas são experimentadas em relação com funções vitais que servem à finalidade de auto-preservação. Os instintos sexuais estão, de início, ligados à satisfação dos instintos do ego, somente depois é que eles se tornam independentes destes. Os primeiros objetos sexuais de uma criança são as pessoas que se preocupam com sua alimentação, cuidados e proteção. No caso de pacientes fronteiriços, Freud aponta essa fase inicial, como um momento do desenvolvimento libidinal que sofreu algumas perturbações (fixação), e a escolha feita não foi a sua mãe mas seus próprios eus e, procuram a si mesmos como objeto amoroso e exibem um tipo de escolha objetal denominada “narcisista”.

Dizemos que um ser humano tem originalmente dois objetos sexuais, ele próprio e a pessoa que cuida dele e isso chama-se narcisismo primário originário e existe em todas as pessoas. A finalidade e satisfação em uma escolha objetal narcisista consiste em ser amado e é isso que as pessoas mais regressivas buscam. O desenvolvimento do ego consiste num afastamento do narcisismo primário e dá margem a uma vigorosa tentativa de recuperação desse estado.

Em 1917, Freud escreve Luto e Melancolia[5], e diz que em algumas pessoas, as influências produzidas pelo luto, que é a reação à perda de um ente querido, produzem melancolia em vez de luto. Suspeitamos, diz Freud, que essas pessoas possuem uma disposição patológica.

“Na melancolia, os traços mentais são de um desânimo profundamente penoso, a cessação de interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amor, a inibição de toda e qualquer atividade, e uma diminuição dos sentimentos de auto-estima a ponto de encontrar expressão em auto-recriminação e auto-envilecimento, culminando numa expectativa delirante de punição.”(p.276)

No luto normal, o objeto não existe mais, com isso a libido é retirada das ligações com o objeto. Essa exigência provoca uma oposição compreensível. Quando o trabalho de luto se conclui, o ego fica outra vez livre e volta a investir nos objetos. A melancolia também pode ser uma reação à perda de um objeto amado só que a perda é de natureza mais ideal, o objeto talvez não tenha realmente morrido, mas foi perdido enquanto objeto de amor, e com isso há um retorno ao narcisismo, isto é, um desinvestimento no objeto e retorno ao próprio eu. A melancolia está de alguma forma relacionada a uma perda objetal retirada da consciência, em contraposição ao luto, no qual nada existe de inconsciente a respeito da perda.

O melancólico exibe outra característica que é uma diminuição de sua auto-estima, um empobrecimento de seu ego. No luto é o mundo que se torna pobre e vazio, na melancolia é o próprio ego. Ele perdeu seu amor próprio, uma parte de seu ego e, nesse sentido, uma parte do ego se coloca contra a outra, julga-a criticamente e, toma-a como seu objeto.

Segundo Freud, percebemos no melancólico, que as auto-recriminações são recriminações feitas a um objeto amado, que foram deslocadas desse objeto para o ego do próprio paciente. Esse processo se dá da seguinte forma:

“Existem, num dado momento, uma escolha objetal, uma ligação da libido a uma pessoa particular, então, devido a uma real desconsideração ou desapontamento proveniente da pessoa amada, a relação objetal foi destroçada. O resultado não foi o normal – uma retirada da libido desse objeto e um deslocamento da mesma para um novo – mas algo diferente, para cuja ocorrência várias condições parecem ser necessárias. A catexia objetal provou ter pouco poder de resistência e foi liquidada. Mas a libido livre não foi deslocada para outro objeto, foi retirada para o ego. Ali não foi empregada de maneira não especificada, mas serviu para estabelecer uma identificação do ego com o objeto abandonado. Assim a sombra do objeto caiu sobre o ego, e este pode, daí por diante, ser julgado por um agente especial, como se fosse um objeto, o objeto abandonado”. (p.281)

Assim, uma perda objetal se transformou numa perda do ego, e o conflito entre o ego e a pessoa amada, numa separação entre a atividade crítica do ego enquanto alterado pela identificação. Aqui, a escolha objetal é efetuada numa base narcisista, de modo que a catexia objetal, ao se defrontar com obstáculos pode retroceder para o narcisismo, como uma regressão da catexia objetal para fase oral ainda narcisista da libido.

Na melancolia, além dos fatores considerados como perda por morte, situações de desconsideração, desprezo ou desapontamento, que podem trazer para a relação sentimentos opostos de amor e ódio, ou reforçar uma ambivalência já existente, segundo Freud, os fatores constitucionais, não devem ser desprezados entre as pré-condições da melancolia.

A autotortura na melancolia também significa uma satisfação das tendências do sadismo e do ódio relacionados a um objeto, que retornam ao próprio eu do indivíduo. Assim, elas se vingam do objeto original e torturam a pessoa amada através de sua doença, à qual recorrem a fim de evitar a necessidade de expressar abertamente sua hostilidade para com ele.

A catexia erótica no tocante a seu objeto sofreu, assim, uma dupla vicissitude: parte dela retrocedeu à identificação e a outra parte, sob a influência do conflito, devido a ambivalência, foi levada de volta à etapa do sadismo que se acha mais próxima do conflito.

Em 1923, no texto O Ego e o Id [6], Freud fala da “Reação terapêutica negativa”, onde pacientes mostram sinais de descontentamento e pioram diante do progresso no tratamento por não poderem suportar qualquer elogio ou apreciação. Aqui, a necessidade de doença levou a melhor sobre o desejo de restabelecimento. Essa resistência, além de estar relacionada a uma atitude de desafio para com o médico e da fixação às diversas formas de ganho com a doença, é um sentimento de culpa, que está encontrando sua satisfação na doença e se recusa a abandonar a punição do sofrimento. Esse sentimento inconsciente de culpa, muitas vezes é produto de uma identificação com alguma outra pessoa que foi outrora objeto de uma catexia erótica. A semelhança entre esse processo e o que acontece na melancolia é inequívoca.

Para Freud, o sentimento de culpa normal consciente se baseia na tensão existente entre o ego e o ideal de ego, sendo expressão de uma condenação do ego pela sua instância crítica.

Na melancolia, o superego é excessivamente forte e dirige sua ira contra o ego, com violência impiedosa, como se tivesse se apossado de todo o sadismo disponível na pessoa em apreço. Aqui toda força do sadismo no superego se volta contra o ego. O que está influenciando o superego, representado no sadismo é a pulsão de morte.

Os perigosos instintos de morte são em parte tornados inócuos por sua fusão com componentes eróticos, em parte são desviados ao mundo externo através da agressividade e uma grande parte continua seu trabalho interno sem estorvo.

O superego surge de uma identificação com o pai tomado como modelo. Essa identificação é dessexualizada ou sublimada. Após a sublimação o componente erótico não mais tem o poder de unir a totalidade da agressividade e ela é liberada na forma de uma inclinação à destruição, como é o caso dos melancólicos. Essa desfusão é a fonte do caráter geral de severidade e crueldade apresentada pelo ideal.

Quando falamos em pacientes regressivos, nos referimos a um retorno de seu narcisismo, à melancolia, cuja característica principal é a ansiedade ligada a separação, a perda de amor. Nesse mesmo texto de Freud, O Ego e o Id, ele diz que todo medo é, em última análise, o medo da morte. O mecanismo do medo da morte só pode ser o fato de o ego abandonar em grande parte sua catexia libidinal narcísica, isto é, de ele se abandonar, tal como abandona algum objeto externo nos outros casos em que sente ansiedade. Medo da morte, para Freud, é algo que ocorre entre o ego e o superego. O medo da morte faz seu aparecimento como reação a um perigo externo e como um processo interno.

Freud diz:

“O medo da morte na melancolia, é onde o próprio ego se abandona porque se sente odiado e perseguido pelo superego, ao invés de amado. Para o ego, portanto, viver significa o mesmo que ser amado- ser amado pelo superego. O superego preenche a função de proteger e salvar, que antes foi preenchida pelo pai e posteriormente pela Providência ou Destino. Quando o ego se encontra num perigo real excessivo, que se acredita incapaz de superar com suas próprias forças, se vê abandonado por todas as forças protetoras e se deixa morrer. Aqui está novamente a mesma situação que fundamenta o primeiro grande estado de ansiedade do nascimento e a ansiedade infantil do desejo – a ansiedade devida à separação da mãe protetora” (p.75)

Para Freud, o medo da morte, tal qual o medo da consciência (superego), é um equivalente ao medo da castração.O texto de Freud Inibição, Sintoma e Ansiedade[7], escrito em 1926, diz que a força motriz da repressão é o ‘medo da castração’, e que as idéias contidas na ansiedade é o medo de ser castrado pelo pai conforme exemplos apresentados no Pequeno Hans e Homem dos Lobos.

A ansiedade, para Freud, é um estado afetivo, algo que se sente e, só pode ser sentido pelo ego. Como um sentimento, a ansiedade tem um caráter muito acentuado de desprazer. Ela surgiu originalmente como uma reação a um estado de perigo e é reproduzida sempre que um estado dessa espécie se repete. A primeira experiência de ansiedade pela qual passa um indivíduo é o nascimento, que também pode ser entendido como uma separação da mãe e poderia ser comparado a uma castração da mãe.

A maioria das fobias ou outras neuroses, remonta a uma ansiedade dessa espécie sentida pelo ego no tocante às exigências da libido, que está ligada à destruição do complexo de Édipo. É sempre a atitude de ansiedade do ego que é primária, que põe em movimento a repressão.

Freud, neste texto, relaciona o medo da morte análogo ao medo da castração, e a situação à qual o ego está reagindo é de ser abandonado pelo superego protetor. A ansiedade pode ser considerada como um sinal afetivo de perigo, que é o medo da castração, mas nos parece mais uma reação a uma perda, uma separação.

É a ausência da mãe que constitui o perigo e logo que surge esse perigo a criança dá o sinal de ansiedade, que sente como um desamparo mental ou psíquico. Esse desamparo é apropriado ao perigo de vida que a criança sente quando o ego ainda é imaturo, depois o perigo da perda de objeto, até a primeira infância, quando ele ainda se acha na dependência de outros e segue com o perigo da castração até a fase fálica; e o medo de seu superego até o período da latência. Todas essas situações de perigo e determinantes de ansiedade podem persistir lado a lado e fazer com que o ego a elas reaja com ansiedade num período ulterior ao apropriado e várias delas podem entrar em ação ao mesmo tempo.

No estudo dos determinantes da ansiedade, o comportamento defensivo do ego mostra que cada situação de perigo corresponde a um período ou fase particular de vida ou do desenvolvimento do aparelho mental. Na primeira infância o indivíduo não está preparado para dominar psiquicamente as grandes somas de excitação que o alcançam quer de fora ou de dentro.

A ansiedade de castração, que pertence a fase fálica, constitui também medo da separação e está assim ligada ao mesmo determinante, da separação inicial da mãe e, nesse caso(castração), o perigo está em se separar de seus órgãos genitais. O alto grau de valor narcísico que possui o pênis, para o menino, pode valer-se do fato de que o órgão é uma garantia para seu possuidor de que este pode ficar mais uma vez unido à mãe, isto é, a um substituto dela no ato da copulação.

Freud se refere a Rank neste trabalho, onde ele diz que o processo de nascimento é a primeira situação de perigo, e a convulsão econômica que ele produz torna-se o protótipo da reação de ansiedade. Freud já atribui maior importância ao trauma do nascimento ligado à separação da mãe, de início somente num sentido biológico, a seguir como uma perda direta do objeto incorrida indiretamente.

Para Rank, o trauma do nascimento se apodera de cada indivíduo com um grau diferente de intensidade e a violência da reação de ansiedade varia com a força do trauma, sendo a quantidade inicial da ansiedade gerada nele que decide se ele chegará a controlá-lo, se tornará um neurótico ou normal. Freud argumenta que dar tanta ênfase ao trauma do nascimento é não deixar lugar para a constituição hereditária como fator etiológico. Para ele, entre os fatores que desempenham seu papel na causação das neuroses (ansiedades), são os fatores biológico, filogenético e psicológico.

O fator biológico é o longo período de tempo em que o jovem da espécie humana está em condições de desamparo e dependência. Ele estabelece as primeiras situações de perigo e cria a necessidade de ser amado que acompanhará a criança durante o resto de sua vida.

Freud também escreve, num sub-ítem “Ansiedade, dor e luto”, que o primeiro determinante da ansiedade, que o próprio ego introduz é a perda da percepção do objeto. Ainda não se trata de perda de amor. Posteriormente, a experiência ensina à criança que o objeto pode estar presente mas aborrecido com ela, e então a perda de amor a partir do objeto se torna um novo perigo e muito mais duradouro e determinante de ansiedade.

Seguindo o texto sobre Inibições, Sintoma e Ansiedade, Freud diz que existem inibições que servem a finalidade de autopunição, isto é, não se permite ao ego levar a efeito atividades que trariam êxito e lucro pela severidade do superego que o proibiu. Assim o ego desiste dessas atividades a fim de evitar entrar em conflito com o superego.

As inibições mais generalizadas do ego obedecem a um mecanismo diferente. Quando o ego se vê envolvido numa tarefa psíquica difícil, como ocorre no luto, ou numa supressão de afeto, ou quando um fluxo contínuo de fantasias sexuais tem de ser mantido sob controle, o ego perde uma quantidade tão grande de energia à sua disposição que tem de reduzir o dispêndio da mesma em muitos pontos ao mesmo tempo (é uma questão de quantidades).

As inibições são restrições das funções do ego que foram ou impostas como medidas de precaução ou acarretadas como resultado de um empobrecimento de energia.

Muitos autores têm dado grande ênfase à fraqueza do ego em relação ao id e aos nossos elementos racionais em face das forças demoníacas dentro de nós.

Em nota de rodapé[8], Freud diz que“a exigência instintual, antes de cuja satisfação o ego recua, é masoquista: o instinto de destruição dirigido contra o próprio paciente. Talvez um acréscimo dessa espécie explique casos nos quais as reações de ansiedade sejam exageradas, impróprias ou paralisantes. Seu significado oculto está estreitamente ligado com o masoquismo” p.193 (pulsão de morte).

Na seqüência deste trabalho proponho conhecer um pouco as idéias de Karl Abraham [9], que em 1924 escreve ‘ Notas sobre a psicogênese da melancolia’.

Ele diz que no indivíduo melancólico, a ambivalência da vida pulsional o envolve em conflitos graves. O ato de afastar-se do objeto original e depois seus substitutos, faz com que a libido se retraia e tudo perde atrativo para ele. Há um desligamento da libido do mundo externo e o melancólico se ressente dessa perda e se relaciona a isso com sentimentos de inferioridade.

Quando a catexia libidinal é retirada do objeto e dirigida para o ego, também o objeto é introjetado no ego e agora o ego deve suportar todas as conseqüências deste processo e, ficará exposto à ambivalência dos impulsos libidinais, isto é, o amor e ódio contra ele mesmo. Assim, muitas vezes, por trás de um sentimento de desvalia e inferioridade, o melancólico possui um sentimento de superioridade observável, com uma grande quantidade de auto-admiração, especialmente em relação à importância e efeito de seus próprios pensamentos, sentimentos e comportamentos.

“Dessa maneira, a melancolia apresenta um quadro no qual se encontram em justaposição imediata, embora absolutamente opostas um ao outro,- o auto-amor e auto-ódio, uma superestimação e uma subestimação do ego, ou seja, as manifestações de um narcisismo positivo e um narcisismo negativo”( p.116).

Para Abraham, não pode haver dúvida de que uma crise depressiva melancólica é provocada por um desapontamento amoroso e este não é apenas no sentido comum de um caso sentimental infeliz. Se relaciona com a perda do objeto, mais precisamente relacionado a uma repetição de uma experiência traumática infantil original, e no caso dos psicóticos essa compulsão à repetição é muito freqüente.

Para ele, alguns fatores são importantes na psicogênese das psicoses maníaco-depressivas. Um fator ‘constitucional’, não como herança direta de uma tendência mas como exacerbação do erotismo oral parece ser um fator preponderante desde os primórdios. Uma predisposição herdada desse tipo propiciaria a mobilizar outro fator que é uma fixação especial da libido no nível oral, que se apresenta com exigências de gratificação e reagem com desprazer a toda frustração a esse respeito. O prazer excessivo que deriva do sugar persiste sob muitas formas no ato de comer, beber, que é o caso dos toxicômanos e alcoolistas.

Abraham diz que uma grave lesão ao narcisismo infantil é produzida por sucessivos desapontamentos amorosos. As tentativas, constantemente repetidas do melancólico para obter amor de uma pessoa do sexo oposto acham-se intimamente ligadas ao desapontamento inicial vindo de ambos os lados, mãe e pai, e um exemplo disso é que eles sentem perder o amor da mãe pelo irmão ou pelo pai., embora nem sempre essa falta de amor é suficiente para fornecer a base para uma melancolia.

Uma observação importante nesse sentido é que uma criança que fica sujeita a um trauma mental na fase narcísica, isto é, antes do estabelecimento de um amor objetal, as conseqüências são especialmente sérias, já que seus instintos sádico-orais se acham em plena força e estabelece-se uma associação permanente entre seu complexo edipiano e o estágio canibalesco de sua libido. Isto facilitará uma introjeção subseqüente de ambos os objetos de amor, isto é, a mãe em primeiro lugar e em seguida o pai.

A repetição do desapontamento primário na vida ulterior remete, nesses pacientes, a sentimentos hostis extremamente intensos para com todas as pessoas que fatalmente frustraram sua necessidade narcísica de amor. A soma de sua ira é dirigida contra a pessoa que mais gostara em criança e que então deixara de ocupar essa posição em sua vida. Freud já demonstrou que as auto-acusações do melancólico são dirigidas contra o objeto amado que ele abandonou. Suas auto-críticas e suas idéias delirantes são queixas dirigidas contra aquele ex-objeto, e sua ambivalência aplica-se a ambos os pais do mesmo modo.

Para Abraham,

“em pacientes melancólicos o processo de introjeção assume duas forças: primeiro o paciente introjetou seu objeto amado original sobre o qual construíra seu ego ideal, de maneira que esse objeto assumiu o papel de consciência para ele, embora na verdade, uma consciência de formação patológica e, segundo, o conteúdo dessas auto-acusações é uma crítica impiedosa ao objeto introjetado”.(p.121)

A intensidade da hostilidade do melancólico para com a mãe e o caráter particular de seu complexo de castração tem relação com a retirada do seio materno, que constitui uma ‘castração primária’. O melancólico deseja vingar-se por isso, de sua mãe, castrando-a por sua vez, tirando-lhe fora os seios ou o pênis fantasiado. Essas fantasias envolvem uma incorporação total ou parcial da mãe, isto é, um ato de desejo positivo e, por outro, sua castração ou morte, isto é, um desejo negativo tendente à destruição dela.

Abraham diz que:“quando as pessoas melancólicas sofrem uma decepção insuportável por parte de seu objeto de amor, tendem a expelir esse objeto como se ele fosse fezes e a destruí-lo. Logo após, realizam o ato de introjetá-lo e devorá-lo, ato que é uma forma especificamente melancólica de identificação narcisica” (p.124).Sua sede sádica de vingança encontra satisfação atormentando o ego.

Esse período de autotormento dura até que a haja um apaziguamento gradual dos desejos sádicos e, o objeto amado ter sido afastado do perigo de ser destruído. Quando isso acontece o objeto amado pode sair do esconderijo no ego e o melancólico restaurá-lo em seu lugar no mundo exterior.

Melanie Klein[10], no entendimento da melancolia, nos acrescenta muito e, neste trabalho a sua Teoria sobre Ansiedade e Culpa será acrescentada. No seu estudo sobre ansiedade e culpa, Klein faz uma revisão da teoria de Freud sobre a ansiedade onde diz que a primeira hipótese dele é que “a ansiedade resulta de uma transformação direta da libido”, depois em Inibição, Sintoma e Ansiedade, ele afirmou novamente “que a ansiedade resulta de uma transformação direta da libido, mas parecia atribuir agora menos importância a esse aspecto econômico”.

Klein segue dizendo, que para Freud o ego é a sede real da ansiedade e abandona a idéia de que a energia de um impulso reprimido se converte automaticamente em ansiedade. Acrescenta que a ansiedade é causada porque… “a criança sente a falta de alguém a quem amava e por quem ansiava e está relacionado com o medo de perder o amor”.

Klein se refere a Freud em Novas Leituras Introdutórias (1932), onde ele diz que: “nas crianças pequenas, é a excitação da libido insatisfeita que se converte em ansiedade e o conteúdo mais remoto de ansiedade é o sentimento infantil de perigo, resultante do medo de que a necessidade da criança não seja satisfeita porque a mãe está ausente”.

Seguindo os estudos de Klein sobre Freud, ela se refere ao texto, ‘O Mal Estar da Civilização’, onde Freud fala sobre a culpa, sustentando que tem origem no complexo de Édipo e é uma conseqüência do mesmo. No entanto, Freud também afirmou que a culpa tem origem num estágio muito anterior. Ele escreveu:

“a culpa é a expressão do conflito de ambivalência, a eterna luta entre Eros e o instinto destrutivo ou de morte’. E ainda ‘uma intensificação do sentimento de culpa – resultado do conflito inato de ambivalência, da eterna luta entre as tendências do amor e da morte’. Ele também atribuiu a origem dos sentimentos de culpa aos instintos agressivos ‘o impedimento da gratificação erótica provoca um acesso de agressividade contra a pessoa que interferiu na gratificação e essa tendência para a agressão tem, por sua vez, de ser suprimida. Por conseguinte, é só a agressão, que no fim das contas, se converte em culpa, ao ser suprimida e transmitida ao superego” (p.292).

Ainda citado por Klein, em nota de rodapé, num texto de 1930, Freud diz que: “a severidade do superego resulta, em certa medida, da agressividade infantil, a qual é projetada no superego. (p.292).

No entanto Freud mantém a sua hipótese de que a culpa se instala como conseqüência direta do complexo de Édipo.

Klein também se refere a Abraham no entendimento da ansiedade e culpa e escreve que ele sugeriu que:“no estágio do narcisismo, como um desígnio sexual canibalesco, a primeira prova evidente de uma inibição instintiva aparece na forma de ansiedade mórbida. O processo de superação dos impulsos canibalescos está intimamente associado a um sentimento de culpa que sobe ao primeiro plano como um fenômeno tipicamente inibitório que pertence ao terceiro estágio” (p.293).

Ele assinala a conexão da ansiedade e culpa com os desejos canibalescos, que é muito primitiva.

Klein aproveitou as idéias de Abraham e Freud e acrescentou idéias novas sobre ansiedade e culpa. Reconheceu a importância fundamental dos impulsos sadistas e fantasias de todas as origens nos primeiros estágios do desenvolvimento. Os processos primitivos de introjeção e projeção levam ao estabelecimento no ego, a par de objetos ‘extremamente bons e objetos extremamente assustadores e persecutórios’. Essas figuras são concebidas à luz dos impulsos agressivos e fantasias da própria criança, isto é, projeta sua própria agressão nas figuras internas que fazem parte de seu primitivo superego. A ansiedade disso é somada à culpa derivada dos impulsos agressivos do bebê contra o seu primeiro objeto de amor tanto o externo como o internalizado. As defesas primitivas do ego se dirigem contra a ansiedade provocada pelos impulsos e fantasias de caráter agressivo.

Klein também concorda com Freud na compreensão das fantasias sadistas infantis e sua origem, na hipótese freudiana da luta entre os instintos de vida e de morte. Ela faz uma referência ao texto de Freud: “O Ego e o Id”, já comentado anteriormente no início do trabalho, mas retomo aqui numa seqüência de suas idéias, onde diz:“A atividade dos perigosos instintos de morte, dentro do organismo individual, é enfrentada de vários modos; em parte são tornados inofensivos mediante uma fusão com os componentes eróticos, em parte, também, são desviados para o mundo externo na forma de agressão, enquanto na sua maior parte continuam, sem dúvida, sua atividade interna e sem obstáculos” (p.294)

Segue Klein dizendo que a culpa está baseada no sadismo porque ataca objetos de amor e há culpa persecutória. Uma das formas de se livrar da culpa é a defesa maníaca, como uma tentativa de reparação não bem sucedida. Para ela existe um ‘sadismo constitucional’, derivado direto da pulsão de morte. Os primeiros movimentos que o bebê faz é de projeção e introjeção e o segundo movimento é cindir os objetos com a finalidade de proteger os objetos e também o ego eliminando objetos maus.

É a necessidade que o ego tem de se livrar das angústias, que pode ou não ser intensificadas conforme os objetos as recebe e devolve.

Para Klein sempre há relações de objeto, primeiro como objetos parciais e depois como objeto total e, a reparação surge decorrente da culpa de ter agredido o objeto. A ambivalência aparece quando há a integração do objeto e do ego.

A ansiedade é suscitada pelo perigo que ameaça o organismo, decorrente do instinto de morte e essa é a causa primária da ansiedade. Novamente Klein cita Freud, onde ele diz que a luta entre os instintos de vida e morte levaria à conclusão que:“a ansiedade tem sua origem no medo da morte, que deve ser encarado como análogo ao medo da castração”.

Klein acrescenta que o medo de ser aniquilado inclui a ansiedade resultante do medo de que o bom seio interno seja destruído, pois esse objeto é considerado indispensável para a conservação da vida. A ansiedade primitiva se origina do medo de aniquilamento.

Podemos supor que a luta entre os instintos de vida e morte já está travada desde o nascimento e acentua a ansiedade persecutória provocada por essa dolorosa experiência, onde percebe o mundo externo como hostil representado pelo seio que frustra e com isso dirige contra ele os impulsos destrutivos. O bebê sente que a frustração pelo seio materno implica um perigo de vida e a retaliação pelos impulsos destrutivos é como se o seio frustrador o estivesse perseguindo. Isso ocorre pela fragilidade do ego primitivo.

A raiz do medo persecutório-paranóide é o medo de aniquilamento do ego, pelo instinto de morte representado pela agressão. O seio mau e depois o pênis mau, são os protótipos dos perseguidores internos e externos. A introjeção do objeto bom reforça o poder interno do instinto de vida, que é sentido como fonte de vida e forma uma parte vital do ego e sua preservação torna-se uma necessidade imperativa. Nesse sentido, Klein atribui importância ao ambiente.

O bom seio internalizado e o mau seio devorador formam o núcleo do superego com seus bons e maus aspectos. São os representantes no ego da luta entre os instintos de vida e morte.

A ansiedade persecutória, para Klein, se relaciona com o aniquilamento do ego e ocorre nos estágios iniciais do desenvolvimento, na posição esquizo paranóide enquanto a ansiedade depressiva está relacionada ao dano causado aos objetos amados, internos e externos, pelos impulsos destrutivos do sujeito. Assim, a ansiedade depressiva está vinculada à culpa e à tendência para fazer reparações.

Embora no primeiro estágio predominem os impulsos destrutivos e a ansiedade persecutória, a ansiedade depressiva já desempenha um certo papel nas primeiras relações objetais da criança, na sua relação inicial com o seio materno, assim como os processos de divisão do ego inicial, nunca são efetivos, visto que o ego desde o início tende a integrar-se e sintetizar os diferentes aspectos do objeto. Essa tendência de integração parece ser expressão do instinto de vida. Com o desenvolvimento, a tendência a divisão do seio bom e mau tende a ser menos acentuada.

A síntese entre amor e ódio, em relação aos objetos parciais é que dá origem à ansiedade depressiva, à culpa e ao desejo de fazer reparações ao objeto amado e danificado.

Para Klein, o instinto de morte é o fator primordial na causalidade da ansiedade. O que conduz à ansiedade e culpa é que o objeto primário contra o qual os impulsos destrutivos se dirigem é o objeto da libido, e que é , portanto, a interação da agressão e da libido. Um nível ótimo na interação da libido e da agressão implica que a ansiedade resultante da atividade perpétua do instinto de morte, embora nunca tenha sido eliminada, é contra-atacada e neutralizada pelo poder do instinto de vida.

Para o entendimento da técnica, neste trabalho, vamos procurar conhecer um pouco as idéias de Bion, H.Rosenfeld , Steiner, Joel Zac e outros outores.

Rosenfeld[11]refere que para a compreensão da transferência psicótica é importante o conhecimento do narcisismo e da identificação projetiva e utilizou a expressão ‘relações objetais’, para enfatizar que não se trata de um estado não objetal.

Identificação projetiva, para Rosenfeld, “é uma parte integrante das relações objetais onipotentes e narcisistas, com o objetivo de criar uma fantasia de unidade e negar assim, a sensação de separação, amor, agressão, carência, inveja e a dependência” (p.51). Em todos os processos projetivos há uma característica expulsiva de pensamentos e sentimentos insuportáveis e o indivíduo o faz, projetando no outro e, com isso, dominando e controlando as outras pessoas de forma imaginária.

Rosenfeld se reporta a Bion no entendimento da identificação projetiva também como um método de comunicação, ao projetar impulsos e partes de si no analista, o torna apto a compreender e sentir suas experiências e contê-las, através das interpretações para traduzir os sentimentos em palavras e assim o paciente pode aprender a tolerar seus próprios impulsos e a ter acesso a um self mais sadio. Para Rosenfeld, a função do analista é transmitir compreensão, através de suas interpretações, manter a calma e a tranqüilidade e de concentrar-se nos aspectos básicos das preocupações e ansiedades conscientes e inconscientes do paciente, aumentando a capacidade do paciente para ter relações objetais, fortalecendo seu ego em suas funções e em sua capacidade de integração e crescimento psíquico.

Rosenfeld se refere a Bion, no capítulo onde fala da identificação projetiva e continência, no livro Impasse e Interpretação e, considerou alguns conceitos muito importantes. Bion chamou de ‘Função Alfa’, a capacidade do analista para funcionar de modo a reunir em sua própria mente aspectos difusos, confusos ou cindidos dos processos dos pré-pensamentos do paciente, para que gradativamente eles sejam entendidos, façam sentido e se tornem compreensíveis ao paciente e, classificou de ‘elementos Beta’ o estado mental difuso do paciente psicótico e sua maneira de se comunicar, que permanecem incompreensíveis até que o analista, por meio de sua ‘função de continência’ transforma esses elementos Beta em elementos Alfa.

Com pacientes onde a identificação projetiva é muito intensa, há uma confusão entre fantasia e realidade, as palavras e seus conteúdos são vivenciados pelo paciente como objetos concretos e não simbólicos.

No estudo de Rosenfeld, uma maneira na qual a identificação projetiva complica o trabalho do analista está em como os pacientes a usam para lidar com desejos invejosos e agressivos primitivos e de separação. Assim que o paciente começa a sentir-se separado do analista, surge uma reação agressiva, as vezes, após uma interpretação valiosa que demonstre a capacidade terapêutica do analista. Tais pacientes reagem com sentimentos de humilhação e reclamam que são levados a se sentir pequenos.

Outro ponto a respeito das dificuldades causadas pela identificação projetiva é que ela pode ser usada como defesa não só contra experiências de agressão e inveja primitiva, mas também contra a realidade psíquica em geral. Assim o paciente cinde as partes de seu self bem como os impulsos e as ansiedades e as projeta para dentro do analista com o objetivo de evacuar e esvaziar o conteúdo mental perturbador, o que acarreta a negação da realidade psíquica.

A contratransferência é vista por Rosenfeld como fundamental e diz que para que o analista possa realmente compreender seu paciente fronteiriço, é necessário não só sua formação clínica e teórica, através de palestras e supervisão mas o analista depende fundamentalmente do funcionamento se sua personalidade através da análise pessoal e auto-análise que tende a abranger suas defesas contra ansiedades da primeira infância que muitas vezes ocultam ansiedades psicóticas inconscientes. Ele diz: “ajudamos mais nossos pacientes se formos honestos conosco, assim podemos aceitar amplamente o que o paciente é”.

Entender pacientes fronteiriços ou border é compreender seus primeiros relacionamentos, suas relações de objeto, a maneira como a mãe lidou com amamentação, sua capacidade ou incapacidade de se sentir ligada ao bebê. Isso se repete na relação analítica, onde tais pacientes se mostram muito críticos em relação à incapacidade do analista de entender.

Pacientes gravemente traumatizados, na situação analítica, tendem a fazer com que o analista precise saber exatamente que terrores conscientes e inconscientes eles sofreram no passado, projetando essas experiências para dentro do analista e assim, esperam que ele compartilhe as terríveis experiências e tenta envolvê-lo por meio de projeções muito fortes que parecem ataques ao analista e ao seu trabalho.

Somente se o analista tiver êxito na tarefa de interpretar as ansiedades e mostrar sua necessidade de compartilhar suas experiências com o analista, fazendo-o vivenciá-las, é que as projeções do paciente poderão diminuir gradativamente.

O analista, na transferência pode ocupar papéis de mãe, pai, pessoa boa ou má ou de partes infantis do self. Deve perceber o papel em mudança, mas não atuar esse papel com o paciente.

Em pacientes ‘border’, a incapacidade de lidar com a separação indicam que seu funcionamento é muito primitivo. Seu vazio interno e sua fome emocional são projetados no ambiente externo, que é muito distorcido. Sua forte angústia paranóide indica que o paciente é constantemente ameaçado pelo retorno mortífero de suas projeções. Muitas vezes, a ansiedade do paciente não é sentida por ele mas pelo seu analista ou pessoas que convivem com ele, pela dificuldade de enfrentar problemas do dia-a-dia.

No entendimento da ‘identificação projetiva’ e o problema da continência nos pacientes psicóticos ou fronteiriços, Rosenfeld, se referindo a Bion, diz que é o terapeuta que tem de buscar fazer contato com todas as partes excindidas de seu paciente e conservá-las em sua mente. Quando o terapeuta percebe que o paciente não quer receber de volta dentro de si nenhum de seus problemas, ele não deve compactuar com isso e fazer o mesmo, mas deve procurar ligações e relações que o ajudem a entender por que o paciente está com tanto medo de receber os problemas de volta em sua mente.

O terapeuta deve ter o controle dos problemas e interpretar as projeções e as identificações projetivas do paciente. Isso ajuda o paciente a sentir-se mais contido e evita a violenta atuação. No texto de Rosenfeld diz: “A identificação projetiva diz respeito a um processo de cisão do ego primitivo, no qual as partes boas ou as partes más do self são expelidas do ego e, numa etapa posterior, são projetadas sob a forma de amor ou ódio para dentro de objetos externos” (p.191).

Esse processo acarreta uma fusão das partes projetadas do self com os objetos externos; o indivíduo é idêntico ao aspecto relevante do objeto externo, na medida em que ele é este. Uma das principais conseqüências dessa identificação projetiva é que ela dá origem a ansiedades paranóides. Os objetos que o paciente sente possuírem as partes agressivas de seu self tornam-se persecutórias e são vivenciadas como uma ameaça de retaliação (p.191).

A identificação projetiva como forma descrita por Klein é basicamente um mecanismo de defesa do self primitivo, no entanto, implica que tem de existir certa separação entre self e objeto.

Para a compreensão, na transferência, de pacientes psicóticos ou border, Rosenfeld diz que o entendimento do narcisismo é importante. Ele relaciona o narcisismo destrutivo com a pulsão de morte e diz que ao considerarmos o narcisismo sobre o aspecto destrutivo, vemos que a idealização do self desempenha um papel importante, onde as partes destrutivas e onipotentes do self que são idealizadas,são dirigidas contra qualquer relação objetal libidinal e positiva e contra qualquer parte libidinal do self que sinta a necessidade de um objeto e o desejo de depender dele.

Em pacientes onde o narcisismo destrutivo predomina, na relação analítica, eles sentem-se humilhados e vencidos pela revelação de que é o objeto externo quem contém as qualidades valiosas que eles haviam atribuído a seus próprios poderes criativos. Uma função primária do estado narcisista foi ocultar qualquer consciência da inveja e da destrutividade e poupar o paciente desses sentimentos.

Nesses pacientes, existe um desejo de destruir o analista, que pela transferência se torna o objeto e a fonte de vida e de bondade. O paciente pode ficar extremamente assustado com a destrutividade que lhe é revelada na análise, e muitas vezes é acompanhado de impulsos autodestrutivos. Assim, quando se vem dependentes do analista preferem morrer, destruir o progresso e insight analíticos e pessoais. Nesse ponto, com freqüência, esses pacientes tendem a abandonar o tratamento e também atuarem de maneira autodestrutivas em outras áreas de suas vidas, tanto profissionais como nas relações pessoais. A morte é idealizada como uma solução para todos os problemas.

Ao lidar com pacientes psicóticos ou fronteiriços, Irma B.Pick[12] diz que eles podem ficar mais ou menos impermeáveis à cooperação analítica normal e podem atuar de maneira a confrontar o analista com sérios problemas de manejo da análise. Eles podem requisitar uma sessão extra no fim de semana, situação em que a aquiescência do analista pode significar alimentar ou reforçar partes narcisicas tirânicas do paciente; a recusa pode provocar ou reforçar sofrimentos, as vezes, profundos. No caso de pacientes suicidas, podem ter implicações de vida e morte.

É claro que nestas situações o paciente projeta maciçamente partes do self e objetos internos para dentro do analista; tais pacientes também provocam no analista a sensação de estar desamparado e a mercê do comportamento vingativo e explorador do paciente, enquanto este parece impenetrável às necessidades do analista. É uma difícil tarefa sentir e suportar essas sensações sem, ao mesmo tempo ficar alienado daquelas partes do paciente que são frágeis e necessitadas de apoio.

O analista também fica envolvido num esforço maciço, não só para conter as projeções do paciente, mas também para manejar seus próprios sentimentos. Quando a análise caminha bem, o analista pode se dar ao luxo de ser capaz de manejar a combinação de envolvimento com distanciamento. Nos casos mais difíceis, seu poder de confundir e sua capacidade de invadir a mente do analista e perturbá-lo pode levar o analista, ao menos por algum tempo, a perder o controle e ficar incapaz de funcionar com o distanciamento necessário para pensar.

O analista precisa ter forças para conter os sentimentos de ódio, induzido pelo impermeável paciente/bebê explorador e parasita juntamente com o amor e a preocupação pelo bebê carente e desamparado no paciente. Isso permite ao analista ajudar o paciente a perceber que esses sentimentos contraditórios podem ser suportados, de modo que o paciente pode ser auxiliado a começar a entrar em contato com problemas do self e objetos internos.

Joel Zac[13], em seu texto de 1967, relaciona a ansiedade de separação com o acting out e a ruptura do enquadre na relação semana – fim de semana analítica. Para ele, “a situação analítica é o conjunto total de ações e relações que tem lugar na sessão, no curso de um tratamento, entre analista e paciente e no âmbito analítico. Aqui, paciente e analista constituem uma unidade funcional que estão comprometidos de diversas formas no mesmo processo dinâmico, numa relação cambiante”.

O entendimento da presença da regressão e progressão são básicos para a compreensão do fenômeno e pressupõe a permanente presença do conflito e a resolução, onde ocorrem lentas transformações nas fases do tratamento, porém cada sessão tem sua continuidade genética, seus princípios orgânicos de transformação que permitem reconhecer o caráter evolutivo do processo.

Os fenômenos de transferência e contratransferência proporcionam a chave para a compreensão dinâmica do processo analítico.

O enquadre, para Joel Zac,“é utilizado para referir-se ao conjunto de estipulações explícitas e implícitas, que asseguram, por um lado, um mínimo de interferência nas atividades que se desenvolvem entre paciente e analista, e por outro lado, um máximo de utilidade ao analista para a realização de estimações diagnósticas e ou prognósticas”.